Introdução à Metodologia de Pesquisa: o método científico na área da saúde
No vídeo anterior eu falei sobre o método científico e seu
modelo contemporâneo (se ainda não viu, segue o link).
Então hoje vou explicar como esse modelo pode ser aplicado
na área da saúde e apresentar alguns dos métodos de pesquisa mais conhecidos.
Mas primeiro vamos relembrar o método científico, que de
forma bem simplificada pode ser ilustrado da seguinte forma:
Observações podem levar a questionamentos e à sugestão de hipóteses, para então se realizar experimentos, que avaliam a adequação
das hipóteses à realidade. Com o tempo, as evidências vão se acumulando, e é
possível tirar conclusões gerais e desenvolver a teoria sobre o tema.
Na área da saúde os métodos podem ser classificados
primariamente como Descritivos ou
como Analíticos.
Os métodos descritivos
buscam conhecer uma população, ou alguma coisa:
Não se espera nada em específico,
não há pergunta ou hipótese científica a ser esclarecida pela pesquisa.
O objetivo é levantar dados para
descrever uma situação ou uma população, apenas para conhecê-los melhor
E por isso eu os coloco na etapa
científica de observação.
Porém, mesmo não buscando
responder a uma pergunta específica, é sempre importante procurar informações
que possam ser úteis para alguma coisa. Por exemplo, conhecer os indicadores
epidemiológicos, demográficos, geográficos, socioculturais ou econômicos de uma
população, é fundamental para implementação políticas e estratégias de saúde
efetivas, seja a nível nacional, municipal, ou de uma comunidade.
Alguns métodos tradicionalmente
usados dessa forma são:
Inquéritos Populacionais, Estudos
Ecológicos, Séries Temporais, Relatos ou Séries de Casos, e Pesquisas
Qualitativas.
Pesquisas analíticas
são aquelas feitas com um propósito específico:
Existe uma pergunta, uma hipótese,
que levou o pesquisador a projetar este trabalho delineado especialmente para
buscar uma informação que pode esclarecer essa questão.
Então eu coloco esses métodos na etapa científica de experimentos.
Alguns exemplos de modelos que se
encaixam aqui são:
Estudos de Caso-controle, estudos
de Coorte, Experimentos Laboratoriais, Ensaios Clínicos ou
comunitários e Revisões Sistemáticas de Literatura.
Vamos então começar pelos métodos Descritivos
Inquéritos
Populacionais:
Coleta-se dados diretamente
dos indivíduos da população, para descrever como essas variáveis se
comportam no grupo. É a forma mais básica de se descrever uma população.
Os dados são colhidos durante a
pesquisa, através de questionários ou exames, então se diz que os dados são primários.
E como dizem respeito a um único momento, pois não se acompanha o grupo ao
longo do tempo, é classificado como um estudo Transversal.
Estudos Ecológicos:
Usam dados
agrupados (não se aborda os indivíduos dos grupos) para fazer comparações
entre duas ou mais populações. Os dados obtidos de alguma fonte que já
tinha essas informações, então são secundários.
Por exemplo, uma escola que pode
já ter um registro de informações de seus alunos e te repassa um relatório com
a idade e altura média de cada turma.
É comum usar estudos ecológicos
na epidemiologia para encontrar fatores relacionados a doenças. Porem esse
método apresenta diversas limitações para avaliar correlações, e permite apenas
criar suspeitas.
Relatos e Séries de
Casos:
São descrições detalhadas de um
ou mais casos clínicos ou eventos. Geralmente são situações ou doenças que
chamam a atenção por serem incomuns, extremas, ou de difícil
diagnóstico ou tratamento.
Mas também pode se relatar situações
comuns e clássicas, com propósito didático e acadêmico.
Cientificamente apresentam
evidência muito limitada, mas podem ser úteis para o estudo de doenças raras e
situações incomuns.
Pesquisas
Qualitativas:
Não analisam variáveis,
nem usam métodos estatísticos. O pesquisador entra em contato direto com os
sujeitos do estudo em seu ambiente natural, procurando identificar suas
questões subjetivas, percepções, pontos de vista, desejos ou comportamentos.
Para isso pode se realizar observações, conversas informais, entrevistas,
grupos focais, ou análises de textos e documentos.
Por exemplo, você pode ir morar
por alguns dias em uma aldeia indígena, ou trabalhar como voluntário em um
abrigo de refugiados.
Os resultados são
fundamentalmente a interpretação e opinião pessoais do pesquisador em relação à
sua vivência, o que cientificamente limita bastante possíveis conclusões e
generalizações.
Porem essa abordagem permite o
levantamento de informações que não poderiam ser obtidas em uma pesquisa
quantitativa tradicional, sendo útil para conhecer melhor um grupo e propor
formas de intervenção com medidas de saúde, ou como um estudo piloto, para
planejar os delineamentos de um outro projeto com maior rigor.
Agora vamos aos métodos Analíticos:
Casos-controles e
Coortes:
São estudos etiológicos, que procuram
uma associação, positiva ou negativa, entre um fator e um desfecho, que
pode ser uma doença ou outro evento clinicamente importante.
Apesar de cientificamente
terem papel de Experimentos, por serem analíticos, metodologicamente são
observacionais, pois não interferem nas condições dos sujeitos, apenas
observam.
No estudo de Caso-Controle, seleciona-se um grupo de indivíduos que JÁ
apresentam o desfecho em questão (o grupo de casos), e outro grupo sem o
desfecho (o grupo de controles).
Depois se procura em seus
históricos, seja por relatos ou por dados de prontuários, pela presença ou não
do fator. É um método que parte de indivíduos no presente, e busca
pelas informações em seu passado.
Já nos estudos de Coorte, seleciona-se entre indivíduos
que NÃO tem o desfecho, um grupo que está exposto ao fator a ser estudado, e
outro que não está.
Então acompanha-se esses grupos
ao longo do tempo (uma etapa que pode demorar vários anos ou décadas),
examinando-os regularmente para analisar em cada grupo quantos desenvolveram ou
não o desfecho. É um método que parte de indivíduos saudáveis no presente
e os acompanha para no futuro observar a ocorrência ou não do desfecho.
São dois métodos com propósitos
parecidos, mas que apresentam diferenças fundamentais.
Casos-controles costumam ser rápidos e relativamente baratos,
sem gastar muitos recursos. Porém o nível de sua evidência é no mínimo
questionável...
Não é possível garantir que o
desfecho já não havia ocorrido antes mesmo da presença do fator;
Não é possível
calcular o risco de cada grupo;
A maioria usa dados secundários,
que podem não ser muito confiáveis ou não corresponder às necessidades da
pesquisa.
Já os Coortes, são muito mais caros e trabalhosos, podem se
estender por décadas, e estão sujeitos a perdas ao longo desse tempo. Porém tem
qualidade de evidência muito superior à do caso-controle:
Calcula o risco de cada grupo;
O uso de dados primários permite
controle de sua qualidade;
É possível garantir que ninguém
apresentava o desfecho antes de ser expor ao fator pesquisado.
Experimentos
Laboratoriais
Um laboratório é um local que
permite grande controle das variáveis ambientais que podem interferir em um
experimento. O que a depender do seu propósito pode ser apenas uma sala com
computadores, ou um cômodo com espelhos e câmeras escondidas.
Existem inúmeros tipos e modelos
de experimentos laboratoriais, com propósitos e características completamente
distintas. Mas de uma forma bem geral, o ambiente laboratorial permite que
se avalie questões super específicas com mínima influência de variáveis
indesejadas, garantindo um maior rigor metodológico e maior
reprodutibilidade dos resultados.
Porém esse ambiente controlado é
muito distante da realidade, e não é possível garantir que um resultado laboratorial,
por melhor que seja, é reproduzível em um ambiente natural, nem que vá ter
algum impacto clínico. Sendo muitas vezes a etapa inicial de uma série de
investigações.
Ensaios Clínicos
São experimentos feitos com seres
humanos, para avaliar os efeitos de uma intervenção, que geralmente é
uma droga ou técnica.
Após vários experimentos
laboratoriais pré-clínicos, pode se iniciar uma série de fases de experimentos
(ensaios) clínicos:
Primeiro se estuda suas
propriedades farmacológicas e possíveis efeitos tóxicos em voluntários
saudáveis. Depois avalia-se possíveis efeitos benéficos em grupos ainda
pequenos, e após isso em grupos maiores. Se tudo der certo, pode se
comercializar a medicação, iniciar outra fase, para monitorar de seu real
impacto na saúde e efeitos colaterais menos frequentes.
Revisões Sistemáticas
de Literatura:
Usam a própria literatura como
fonte de dados. Através de uma busca sistematizada e criteriosa, é possível
realizar uma análise imparcial e unificada das evidências.
Avalia-se a qualidade dos
trabalhos encontrados, se eles estão em acordo ou em desacordo, e pode ou não
incluir uma meta-análise, para indicar qual o resultado geral.
Outras obras, apesar de não serem métodos de pesquisa, tem
papel no processo científico, principalmente no que diz respeito agrupar as
evidências para organizar a teoria:
Artigos de revisão narrativa, assim como alguns livros,
agregam e organizam a literatura sobre um tema. Mas ao contrário da revisão
sistemática, não há protocolo de pesquisa e não se diz nada novo. Seu valor é
acadêmico e serve para organizar a teoria de um assunto e facilitar a
disseminação do conhecimento.
Diretrizes médicas e de saúde servem para propor
direcionamentos e padronizações nas condutas, auxiliando a prática profissional
com base nas evidências publicadas. E costumam ser feitas por sociedades
profissionais ou órgãos governamentais.
Esses foram apenas alguns exemplos de modelos de pesquisa
mais conhecidos, mas existes muitos outros. Perceba que cada método tem
propósitos, qualidades e limitações próprias, e podem seguir protocolos
diferentes, com características diferentes das que apresentei.
Ainda tem MUITA coisa sobre metodologia para vermos, hoje
foi apenas o começo. Obrigado, e até mais.
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